Chico Ferreira durante o trabalho no Al-Ain dos Emirados Árabes Unidos. |
O quadro “De Cara a Cara” do mês de Setembro entrevista
Francisco Adolfo Ferreira, mais conhecido como Chico Ferreira, é preparador
físico, gestor esportivo, professor universitário e palestrante.
Chico criou em 2012 o Ceperf (Centro de Excelência e de Futebol), com gestão e consultoria esportiva,
presente desde 2012 como diretor
executivo e também exerceu a profissão de gerente esportivo do América de Teófilo Otoni em 2014.
http://www.ceperf.com.br/
O Ceperf tem por objetivo a reestruturação de
departamentos de futebol profissionais abordando a estrutura física como campos
de treinamento, comissões técnicas, equipamentos e ciências do esporte.
Chico teve grande passagem pelo Cruzeiro de 1999 a 2009,
Al-Ain dos Emirados Árabes, Atlético Mineiro e atualmente é o instrutor de
curso de Qualificação de Treinadores de Futebol na CBF.
Nome: Francisco Adolfo Ferreira
Clubes: Atlético Mineiro(infantil)-(1989-1991 e 1995),
Al-Muharraq-Club(Bahrein) (1991-1992), Cruzeiro(1999-2009), Al-Ain-EAU(2010-2011), América Teófilo Otoni(gerente de futebol) (2014).
1-Você
iniciou a carreira em clubes de futebol, no Atlético Mineiro em 1989. Como foi
parar no galo, e através de quem foi parar no Muharraq Club?
Iniciei em 1989 no pré-infantil do Galo. Foi uma
indicação de um colega de turma na faculdade de Educação Física. No Muharraq
foi uma história interessante: O meu tio David Ferreira, o Duque, estava em BH
negociando sua ida para o futebol do Bahrain. Ele me pediu para ajudá-lo como
intérprete (língua ingelsa) de um telefonema que ele iria receber. Ficamos a
tarde inteira em sua casa aguardando este telefonema. Quando finalmente
recebemos a chamada, após negociar seu salário, data de embarque, etc. o
dirigente do clube me perguntou se o Duque falava inglês. Eu respondi que não e
aí ele disse que isto seria um problema. O Duque então me mandou perguntar se
ele poderia levar um preparador físico que falasse inglês. O dirigente
concordou e já disse qual o salário que poderia pagar. Encerramos a chamada e o
Duque se vira pra mim e diz: Você será o meu preparador físico! Foi uma
surpresa pra mim, que era recém-formado, tinha 26 anos e trabalhava como
preparador físico no Atlético desde 1989. Ou seja, eu só fui contratado porque
falava inglês e estava na hora certa e no lugar certo!
2-Você
chegou ao Bahrain em 1991. Havia muitos Brasileiros no pais? Como foi o
trabalho no Muharraq Club?
No Bahrain tudo era novidade pra mim! Primeira vez que
iria morar longe de meus pais e irmãos e logo num país distante e com cultura
tão diferente. O Futebol era bem fraco, não havia ainda o profissionalismo como
na Arábia Saudita, por exemplo. Mas fizemos uma excelente Liga e fomos campeões
com 4 ou 5 rodadas de antecedência, com uma única derrota e sem nenhuma lesão
muscular ao longo de toda a temporada. Ficamos em 3º lugar invictos (perdemos
nos pênaltis) na Copa dos Campeões do Golfo realizada em Dubai e fomos a única
equipe que não perdeu para a equipe campeã, o forte time do Marrocos. Havia
vários brasileiros no futebol do país. Em nosso clube trabalhavam o Adílio como
assistente técnico do Duque e como técnico do Sub-20. Tinha ainda o massagista
Declávio, o Binho. Nos outros clubes tínhamos o Sebastião Araújo, o Valinhos, o
Ferreti e o Gildo Rodrigues.
3-Vocês
conquistaram grandes resultados no Bahrein, mas por quê acabou saindo?
Faltando uns 2 meses para encerrar a temporada eu
comuniquei ao clube que não continuaria para a próxima temporada pois eu era
solteiro e estava me sentindo muito sozinho lá, aí veio também a
desclassificação na Copa do Rei e eles então não renovaram com o
Duque.
4-Ao
longo de sua carreira trabalhou com grandes treinadores. Em seu inicio de
carreira, teve ao lado Barbatana e Duque. Como foram estas experiências?
Foram experiências importantes para entender um pouco de
como funcionava a escola antiga do futebol brasileiro. Muita exigência de
disciplina, muito trabalho empírico e muito treino. Ambos já estavam em final
de carreira, já idosos, mas mostravam uma vontade, um entusiasmo pelo trabalho
impressionante! Guerreiros!
5-No
Cruzeiro você trabalhou de 1999 a 2010, implantou alguns projetos como a
criação de um software de avaliação e a montagem da sala de musculação. Como
veio parar no Cruzeiro e fale dos projetos que implantou?
No Cruzeiro eu estava realizando um sonho de atuar
como membro do departamento de futebol profissional de um grande clube do país.
Com uma estrutura já invejável, mas recebendo constantes investimentos, pude
apresentar vários projetos para o clube como este software de avaliação de
carga máxima, projeto isocinético, projeto da sala de musculação da Toca II,
projeto da sala de musculação para as categorias de base na Toca I, projeto do
CEPREFF (Centro de Excelência em Preparação Física de Futebol), dentre outros.
Quem me indicou foi o João Leite, com quem eu já havia trabalhado no Atlético e
que era muito amigo do Prof. Odilon Guimarães, então preparador físico chefe,
que trabalhava com o técnico Levir Culpi.
6-Pelas
suas experiências em métodos de treinamentos esportivos, seja no Brasil, Mundo
Árabe ou cursos na Europa. Como você avalia o futebol Brasileiro neste cenário?
O futebol brasileiro está atrasado/defasado em termos de
mentalidade, de metodologia de treinamentos, de gestão e carece muito de uma
visão estratégica de médio e longo prazo. Isto vale para todos: Clubes, Federações,
CBF, Rede Globo, Mídia Esportiva, Acadêmicos, etc.
7-Em
2012 criou o CEPERF. Quais os métodos implantados para gerar resultados no
futebol, e como está sendo visto pelos clubes d futebol?
Eu tenho oferecido aos clubes minha "expertise" para
montagem ou reestruturação de departamentos de futebol abordando todas as
estruturas: Física, humana, científico-metodológica, tecnológica, de gestão e
de formação de atletas. A maioria acha linda e importante, etc., mas ninguém se
dispôs até hoje a apostar e bancar. Há muita influência política neste meio,
muita vaidade, pois todo mundo acha que entende de futebol. É sabido que a
maior carência do futebol brasileiro é na gestão e esta, consequentemente traz
a reboque o estágio de desenvolvimento das outras áreas.
8-Em
2014 foi instrutor do curso de Treinadores de Futebol da CBF. Como você avalia
o curso, e por que não se estende nos demais territórios Brasileiros?
Fui convidado em 2014, pelo Maurício Marques, o Chopinho,
que é um dos coordenadores, para ser um dos instrutores do curso de formação de
treinadores da CBF, mas ainda não tive a oportunidade de atuar na prática. Eu
dei a ideia de se democratizar o acesso aos cursos. A popularização e regionalização
dos mesmos poderia ser feita com custos mais baixo e realização destes cursos
em cada região da Federação. O Chopinho garante que isso vai
ocorrer.
9-O que nós da imprensa geralmente mais
colocamos em debate é o atraso do futebol Brasileiro. Você através de projetos,
desenvolvimento de artigos e livros, expõe um pouco sobre o atraso. Para você,
qual o principal fio condutor deste atraso? É a formação de atletas,
dirigentes, empresários ou formação de treinadores?
O principal entrave é a legislação esportiva vigente que
é da década de 1940, Estado Novo, Getúlio, flertando com o fascismo! Ela é
autoritária, pouco transparente e pouco democrática! Apresenta desde sempre uma
estrutura arcaica e coronelista dos currais eleitorais e da perpetuação no
poder, incompatível com os tempos modernos! Consequentemente, estimula à
corrupção e aos desmandos! Assim, todas as estruturas e atores do futebol
(formação de atletas, dirigentes, empresários, formação de
treinadores...) se veem tolhidos por esta legislação e incapazes de
conseguirem alçar voos de modernidade e eficiência!
10-
Com uma bagagem extensa no futebol, você possui alguma história inusitada para
nos contar?
Comecei no futebol em 1989, no
Sub-14 do Galo. O treinador era o saudoso, “Seo Irineu”, uma “lenda” dentro das
categorias de base do Atlético. Ele já havia sido de tudo no Galo: roupeiro,
massagista, cortador de grama... Agora, já havia alguns anos, era o treinador
do Sub-14. Devia ter, naquela altura, já uns 65 anos de idade. Um mulatão com
fisionomia abrutalhada que lembrava um cão da raça Boxer! Barrigudo, bundudo,
sambista, uma perna torta e manca, gago e que falava errado e cuspindo!! Estava
sempre com um boné de malandro/sambista, uma bermuda branca caindo e mostrando
o cofre, de chinelos e uma camisa da comissão técnica curta que deixava seu
umbigo à mostra! Tinha um vozeirão que se fazia ouvir em toda a Vila Olímpica!
Pré-histórico! Figura ímpar! Impagável! Uma tosqueira só!
*Histórias Presentes no Livro "O Futebol Não Pode Ser Assim Mesmo"
Bem... Lá chego eu, começando
a realizar o sonho de atuar no futebol, em um grande clube, prestes a me
graduar em Educação Física pela UFMG, todo metidinho, cheio de ideais,
conceitos e teorias. PUTZ!!! Que choque! Mas ao mesmo tempo, que escola!
Primeiro dia em que fui ao
Atlético, na Vila Olímpica, eu nem imaginava que já iria começar a trabalhar
naquele mesmo dia... Imaginei que era apenas pra conhecer o pessoal, a
estrutura, combinar horários, etc., e que, começar a trabalhar mesmo, seria só
no dia seguinte! De repente, já me deram uniforme, me chamaram para o campo:
Coletivo! “Seo Irineu” chega perto de mim e diz: “PPP-Professo... AAA-Apita aí,
tá?!”... Já me entregando o seu apito. Ao olhar para aquele apito de metal do
“Seo Irineu”... Todo encardido! Cheio de catarro seco grudado!!! ““Seo Irineu”! Toma aqui, apita o senhor mesmo! Estou com dor
de barriga! Volto já ”... E saí correndo em direção ao vestiário fingindo que
ia ao banheiro! No outro dia tratei de levar 3 apitos! Um para ficar pra sempre pendurado
no meu pescoço! Outros pra deixar de reserva no meu escaninho... Nunca se sabe,
não é mesmo?!
Primeira semana de trabalho,
um jogo no sábado, “Seo Irineu”, vira para mim no banco de reservas e fala:
“Professo... aquece o Graber pra mim!”... Eu me viro para o banco e fico
pensando: “Graber, Graber...”... Não conseguindo identificar quem seria esse
Graber, pergunto aos meninos: “Quem é o Graber aí?”... Um menino se levanta e
diz: “Ah professor, sou eu! Liga não: É Glauber!”.
Havia lá um menino com a
“lata” muito ruim... mas era “estragado” mesmo! “Lata de construção”! Tão feio
que logo ganhou dos outros o sugestivo apelido de: “Feio”!... “Feio” era lateral
esquerdo e gostava muito de atacar. No primeiro tempo de um jogo, lá vai o
“Feio” subindo ao ataque o tempo todo... Igual índio! Para desespero do “Seo
Irineu” que berrava o tempo todo do lado de fora: “A -volta “Feio”! A
volta!!!”. No intervalo, no vestiário, “Seo Irineu” se vira pro “Feio” e
tasca-na-lata: “bu-bunito heim “Feio”?! Buniiito!”... Uma semana rindo sem
mostrar os dentes, como costuma dizer o Levir Culpi, só de ver o “Seo Irineu”
na minha frente!
Em um sábado à tarde, todos no
vestiário da Vila Olímpica, já trocados, pois dali a pouco haveria um jogo,
“Seo Irineu” sai pra dar um telefonema (naquela época não existia celular) e a
molecada cai na maior algazarra. Hernani, um atacante muito técnico, magro e
alto (chegou a jogar no profissional, passou pela Ponte Preta e outros clubes),
coloca as camisas debaixo do braço e começa a andar pelo vestiário mancando e a
imitar a fala gaga e cuspida do “Seo Irineu”: “fu-fulano, eu vou te tirar
tá!!!”, “Tátá muito mole, tá!”... Todo mundo: os moleques, a comissão técnica,
o diretor... De repente, sem que quase ninguém percebesse, “Seo Irineu” retorna
ao vestiário e diz: “Vamo reza gente?”... Nada! Quase ninguém ouviu, a
algazarra continua... “Seo Irineu”, de novo: “Vamo reza gente!!!... Nada ainda...
“Vamo reza caraI!!!”... Berra o Irineu, furioso, dando um susto em todo mundo e
encerrando de vez a bagunça, mas o inusitado da frase faz com que todos façam a
oração se segurando pra não rir!
Jogador de futebol tem mania
de rezar a Ave Maria e o Pai Nosso (os evangélicos só o Pai Nosso), a plenos
pulmões na roda do vestiário antes de entrar em campo. “Seo Irineu” sempre
falava depois da reza: “Ô gente... Deus não é surdo não, tá!!!”.
Irineu estava aplicando uma
peneira. Uma verdadeira manada de meninos na Vila Olímpica! Após o teste alguns
meninos procuravam o “Seo Irineu” para saber como tinham ido, se agradaram se
podiam voltar, etc. Um destes meninos arrisca a perguntar ao Irineu: “Seo
Irineu”... eu posso voltar?”... Irineu olha pro moleque e tasca-na-lata: “Que isso
minino”! Num sabe falar não?! Fala direito, tá?!”...” Volta em janeiro,
tá?!”... O menino também era gago e em janeiro estão todos de férias! Todo
menino ruim de bola, o “Seo Irineu” mandava voltar em janeiro!