Thiago Cunha durante treinamento nas Ilhas Cayman. |
A ligação com o futebol foi um dos fatores para que o
preparador físico Thiago Brandão Cunha, 38, iniciasse a carreira no futebol em
1999. No Brasil, as passagens foram pela categoria de base do Vasco da Gama,
Americano e a equipe profissional do Bonsucesso. Em 2003, recebeu uma proposta
que mudou a sua vida, o técnico brasileiro Márcio Máximo estava de saída das
Ilhas Cayman, e Thiago Cunha recebeu uma proposta para dar continuidade ao
trabalho junto ao treinador Marcos Aurélio Tinoco.
O filho do treinador Gaúcho, ex-Vasco, América-RJ e Mundo
Árabe, não só continuou o trabalho, como ficou 10 anos no país entre a
preparação física da equipe masculina e a direção técnica da seleção feminina,
até a saída para as categorias de base do Sharjah, dos Emirados Árabes Unidos.
Thiago passou por momentos complicados no país, como em
2004, quando perdeu tudo com o furacão Ivan de categoria 5, que destruiu parte
do telhado de sua residência. Foi um recomeço que demorou pouco mais de 2 meses
para normalizar a vida na pequena Ilhas Cayman.
Também houve os momentos de felicidade, com o intercâmbio
de atletas locais com clubes brasileiros visando agregar mais experiência aos
jogadores, além de levar uma grande atração do futebol brasileiro para a ilha,
Romário. Em 2008, o baixinho lotou o estádio principal, Truman Bodden, para
participar de um jogo festivo na despedida do craque da seleção local Le
Ramoon.
Se o legado deixado por Márcio Máximo e o auxiliar Neider
dos Santos foi bom, coube a Thiago e Marcos Aurélio Tinoco, continuar tocando a
estrutura semiprofissional do país, com o campeonato nacional, criado em 2000, dividido
em dois grupos, a Zona Ocidental e Zona Oriental.
Atualmente a seleção está na posição 200 do ranking da
FIFA, composto por 2010 seleções, e já teve sua melhor colocação em 1995, quando
ficou na posição de 131, e em 2010, quando foi o número 157 do ranking.
Confira a entrevista completa com o preparador físico
Thiago Cunha:
1-Você
mantém grande relação com o futebol desde pequeno, pois seu pai e seu irmão
trabalham com o futebol. Por que a escolha na preparação física ao invés de ser
jogador?
Eu tive uma passagem desde o infantil do futsal do Vasco
da Gama ao último ano dos juniores no Bangu como jogador de futebol. Nessa
trajetória, eu fui federado pelo juvenil no futebol de campo do Fluminense,
depois juniores do Botafogo, onde acabei meu último ano federado pelo juniores
do Bangu. Jogando nos juniores do Bangu, eu comecei a faculdade de Educação
Física pela Universidade Castelo Branco, onde dei inicio a carreira, estagiando
como preparador físico no infantil do Vasco da Gama em 1999, dando início aos
meus 17 anos consecutivos trabalhando no futebol como preparador físico.
2-Como
surgiu à proposta das Ilhas Cayman e o que te fez aceitar o desafio?
Eu estava nos juvenis do Vasco da Gama em 2003,
trabalhando como assistente do preparador físico, e o professor Marcos Tinoco,
que hoje trabalha na FIFA, me fez um convite através do Márcio Máximo, que era
o técnico da seleção principal masculina das Ilhas Cayman. O Márcio estava saindo
para o Livingston FC da Escócia. O Márcio foi o grande responsável pela nossa
contratação nas Ilhas Cayman. Sou muito grato ao Márcio por tudo que fez pela gente.
Assim segui o Marcos Tinoco como diretor técnico da seleção principal e eu como
preparador físico da seleção principal masculina, e diretor técnico da
seleção feminina.
3-Fale
do estado que se encontrava a estrutura do futebol e os resultados conquistados
nas três eliminatórias que disputou?
O futebol das Ilhas Cayman masculino foi passado para nós
com um legado muito interessante do Márcio Máximo. Nosso objetivo em 2003 foi
ampliar as ligas locais amadoras do país para a participação de mais
jogadores.
O brasileiro trabalhou no masculino e no feminino da seleção. |
Nas três eliminatórias da Copa do Mundo da Alemanha,
África do Sul, Brasil e também nas três eliminatórias para as Olímpiadas,
nós disputamos contra equipes de um patamar muito acima do nosso nível e
infelizmente não conseguimos a classificação tanto esperada por todos para
a próxima fase. Conseguimos classificar a seleção para a segunda parte da Copa
Digicel Caribe. Um marco legal. No lado feminino, em 2003, nós montamos
todas as equipes e conseguimos ganhar o primeiro título em 2006, em um torneio
organizado pela Concacaf e Associação de Turcos & Caicos com a seleção
feminina principal. Ganhamos das Bahamas 2x1 no jogo final.
Conseguimos em 2010 a classificação histórica
pela primeira vez na história do país, tanto no masculino quanto no feminino
com a seleção sub 17 feminina contra a República Dominicana, onde jogamos as
finais da Concacaf contra Estados Unidos, Haiti e Costa Rica em San Juan na
Costa Rica. A última classificação aconteceu para a parte final da CFU( União
Caribenha de Futebol), com a seleção sub 20 em 2011.
4-O
que falta para existir mais profissionalismo nestes pequenos países do
Caribe?
Eu acho que falta um pouco de suporte financeiro no
esporte em geral em algumas ilhas. Acredito que com o suporte financeiro forte,
pode se contratar mais pessoas de fora para trabalhar e dar mais qualificação
aos locais que estão no esporte. Isso vai ajudar o futebol se tornar
profissional.
Talento nos esportes em geral no caribe está sobrando.
Acredito que o caribe esta sendo bem representado nas qualificações para a Copa
do Mundo. Nós já vimos à Jamaica participar, Trinidad e Tobago também. A diferença
de população para os países da Concacaf é muito grande. Em 2010 nós
jogamos contra os Estados Unidos com 318
milhões de habitantes e nós com 50 mil.
Acho que a realidade de se tornar profissional depende de
tempo e uma grande reformulação financeira. Investir mesmo grande nas ilhas
pequenas, pois se nós conseguimos classificar uma seleção para as finais da
Concacaf com 50 mil habitantes, sendo a metade do país composta por
estrangeiros.
Acho que se investir alto em profissionais qualificados e
ajuda financeira aos atletas, o futebol pode se tornar profissional e até ter
retorno. O Usain Bolt é um grande exemplo no atletismo.
5-Como
foi à ideia do intercâmbio de atletas com o Vasco, e principalmente, a visita
de Romário ao país para um jogo festivo em homenagem ao atleta Lee
Ramoon?
Nós tivemos essa ideia em 2003. Como a liga local do país
não era muito competitiva e sem competitividade não existe um bom futebol. A
nossa ideia foi dar experiência aos atletas abaixo de 19 anos. Ainda bem que nós
conseguimos vários intercâmbios e demos uma oportunidade muito boa para todos
os atletas saírem do país e ver uma realidade diferente de competição. Hoje as
Ilhas Cayman têm mais ou menos entre 40 a 50 atletas que jogam ou jogaram
futebol feminino e masculino com bolsas escolares nas universidades dos Estados
Unidos.
Quando nós chegamos lá em 2003, eram contados na mão os
atletas que saíram do país. O Vasco e alguns outros clubes brasileiros
abriram as portas para alguns atletas treinarem em um período curto que foi
muito importante para o desenvolvimento desses atletas. O jogo festivo foi uma
das melhores coisas que aconteceram nas Ilhas Cayman até agora. O Romário
conseguiu lotar o estádio principal que se chamaTruman Bodden e foi uma experiência
extraordinária para os jogadores locais e a população local ver de perto o
baixinho jogando em uma partida não oficial. Acredito que foi um marco para o
Lee Ramoon, o maior jogador das Ilhas Cayman de todos os tempos, um grande
amigo e hoje presidente da associação de futebol das Ilhas Cayman.
Fico feliz de ter ajudado isso tudo acontecer e dar um
pouco de felicidade as pessoas de Cayman, pois o país sempre foi maravilhoso
comigo. Definitivamente o país parou aquele dia do jogo.
6-Você
viveu grandes experiências no país, como o furacão que destruiu parte de sua
casa em 2004 e a visita com a seleção feminina ao Haiti após o terremoto. Como
foram estas duas experiências?
O futebol com certeza me fez passar por muitas coisas
boas e também muitas coisas ruins. A experiência do Furacão categoria
5 Ivan em 2004, foi um dos maiores aprendizados na minha vida e sempre será,
pois todos nós que estávamos ali dentro, vimos com nossos próprios olhos um país
de alta classe como as Ilhas Cayman, acordar no meio do nada. Não tinha água,
luz, gasolina e comida. Foi uma lição de vida. Foram dois meses de muita
dificuldade, parecia que tinham jogado uma bomba atômica no país.
Infelizmente a nossa visita no Haiti foi dois meses antes
do terremoto do dia 12 de Janeiro de 2010. Isso é muito difícil de falar até
hoje, pois nós tivemos uma semana de momentos maravilhosos com o técnico e
jogadoras da seleção feminina do Haiti. Nós conseguimos a primeira
classificação lá no Haiti passando em segundo do grupo. Infelizmente o técnico
não sobreviveu ao terremoto e isso é difícil de falar, pois por alguns
dias poderíamos estar nessa situação de dificuldade. Vem um filme na cabeça.
Isso é Inexplicável.
Foi uma grande dor ver tudo aquilo acontecer com aquelas
pessoas maravilhosas. Quando tudo isso aconteceu nós fomos um dois primeiros
países a ajudar mandando mantimentos e outras coisas para o Haiti. Logo depois
em março de 2010, jogamos contra eles novamente nas finais da Concacaf na Costa
Rica. Um momento único existe até um documentário na ESPN desse torneio, pois a
dor foi de todos, por tudo o que aconteceu no país.
7-Como
foi para você trabalhar 10 anos neste pequeno país e o por que de sua saída?
Os 10 anos nas Ilhas Cayman foram maravilhosos, não posso reclamar de nada. Somente agradecer aquelas pessoas que vivem lá. Tenho muito carinho pelas pessoas e todos os meus atletas de Cayman. Tenho contato com todos eles até agora, e acho que será para sempre o lugar onde eu for trabalhar no futuro.
Não é fácil ficar afrente de um país no mercado do
futebol por 10 anos. Acho que consegui deixar um legado legal. Eu achei
que completei meu ciclo de 10 anos no país e tinha que ver outros ares.
Acho que foi uma mudança interessante, pois aqui nos Emirados Árabes Unidos, o
futebol é muito mais competitivo e temos possibilidades de ver outras coisas,
aprender com outros profissionais. Nós temos que deixar legados concluídos
e seguir adiante. Só tenho que agradecer todas as pessoas responsáveis pela
minha passagem lá.
8-
No Brasil você trabalhou na base do Vasco da Gama, e atualmente trabalha nas
categorias de base nos Emirados Árabes Unidos. Como é o trabalho de base no
mundo árabe e quais as principais diferenças com o Brasil?
A diferença é muito grande. No Brasil nós vivemos futebol
24 horas, produzimos os jogadores de futebol e eles saem para o mundo a fora.
Aqui nosso clube tem um objetivo muito legal na base, de formar jogadores para
o time principal. Hoje nós temos 95% do time principal de jogadores da base formado
pela academia aqui. Isso é uma coisa muito legal.
A diferença é que aqui eles
têm o futebol na base como um esporte para desenvolver a pessoa como a
finalidade de saúde e qualidade de vida, se o jovem virar um jogador profissional
tudo bem, mas não tem aquela pressão que é o Brasil. Existem detalhes que você
precisa de tempo para desenvolver nos atletas. Eu acredito que por isso o
futebol Asiático cresceu muito. Não foi atoa que o Kashima Antlers chegou a
final contra o Real Madrid. Acho que na Ásia eles estão dando tempo para o
desenvolvimento do atleta por um todo.
9-
Como é a estrutura do seu clube e após muitos anos trabalhando fora do país,
você possui o desejo de voltar a trabalhar no Brasil?
O Sharjah tem uma estrutura muito boa de trabalho. Na
base conseguimos desenvolver com calma o atleta. A estrutura para o mundo árabe
é de um time médio, e temos na base três brasileiros trabalhando. Meu irmão
Diego Brandão como técnico do time sub 14, o Adalberto Silva preparador
das categorias inferiores a 13 anos e eu no sub 17 ao 13. Isso é legal que tem
uma metodologia brasileira na preparação física da base do nosso
clube.
Nosso time sempre desenvolveu bons jogadores. A seleção
olímpica dos Emirados Árabes Unidos tem 6 jogadores formados no Sharjah. Temos
uma estrutura legal para o futebol daqui. Todos os profissionais que trabalham
fora tem o objetivo de trabalhar novamente no Brasil um dia. Eu tenho esperança
que o Brasil com essa reformulação hoje da CBF com as licenças de futebol,
organização do futebol por um todo, possa melhora a condição dos profissionais
que trabalham nos clubes brasileiros. Eu estou indo para 14 anos fora do país
trabalhando sem voltar. Eu pretendo sim um dia voltar e trabalhar no Brasil,
batalhar para chegar em uma posição legal ai. Isso precisa de uma proposta de
trabalho legal com condições legais também. Acredito que um dia possa acontecer
e eu retornar ao Brasil para dar sequência a mais uma etapa na minha vida. A
prioridade agora é o Sharjah, para focar no desenvolvimento dos atletas.
10-Nessa
estrada do futebol entre Brasil, Ilhas Cayman e Emirados Árabes Unidos, você
possui alguma história inusitada para nos contar?
Esse tempo todo fora daria para fazer um livro de
histórias. Acho uma legal que os diretores lá nas Ilhas Cayman me enviaram para
Bermuda, uma das Ilhas do Caribe para assistir um jogo da seleção deles,
pois iríamos jogar contra eles pela Copa Digicel do Caribe. Assim peguei um
avião para Nova York, e depois de um tempão no Aeroporto de Miami,
Bermuda. Total de mais ou menos 15 horas viajando. Cheguei a Bermuda e eles se
enganaram na data do jogo, não era na data que eles marcaram a passagem, o jogo
era duas semanas a frente. Fiquei dois dias sozinho em Bermuda e tive que
voltar mais 15 horas de voo e aeroporto. Futebol.
Reportagem: Ulisses Carvalho
Thiago, esqueceu de citar a passagem do "presidente" pelas Ilhas Cayman.
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